quarta-feira, 15 de abril de 2009

Volta

Dizem que as pessoas DDA não conseguem se concentrar por muito tempo em nada. São inconstantes, temperamentais, impulsivas e, ao mesmo tempo criativas, com uma imaginação tão rápida e poderosa que, na maioria das vezes, nem ela se dá conta de si. Acaba enclausurando-se em suas angústias. Essas pessoas não conseguem conviver com seu próprio intimo. Isso é muito para se mesmo. A contradição interna e as avalanches de idéias deterioram o seu ser. Justamente por essa imensidão, por essa hiperatividade, por essa versatilidade, por esse romantismo proveniente de sua loucura intrínseca, sua razão padece. Se entrega muitas vezes à arte, se tornando esta sua morada.
Eu, um DDA por completo, acabei trilhando caminhos que me afastaram muito do mundo artístico. Essa, que por sinal, não se trata de uma regra geral, não serviu em nenhum momento para mim. Mergulhei, em vez disso, na magia e nos encantos que poderiam ser a transformação da matéria. Em sua poesia, em seus mitos alquimísticos. Fiz-me químico. E ao escolher meu caminho, não me direcionei por dinheiro, por um futuro, e sim, por uma busca de um sentido pra vida, de entendê-la, de compreender o que a priori existia de mais essencial em mim assim como em tudo que existe: nossa composição, nossa matéria, a natureza do mundo.
Com o passar do tempo, com minhas experiências de vida, percebi que a química não dava conta de tudo isso. Minhas angústias continuaram a me atormentar. As visões positivistas de ciência estavam erradas. A magia da alquimia, da transmutação da matéria, seus vapores, suas alucinantes variações de cores, não me contemplavam mais. Meu espírito não é matéria. Descobri que a ciência só poderia explicar como as coisas são, e não a coisa em si. O homem não poderia ir tão longe assim. O grande paradoxo: como entender o universo antes de entender o nosso próprio universo, o nosso microcosmo.
Me entreguei aos problemas do mundo, as críticas sociais, aos embates políticos, à esperança. Isso tornou-se a fonte do sentido de tudo. Sim, ser um ser histórico. Um ser que interfere no seu mundo, que critica as virtudes postas, que tenta se libertar das correntes que o prendem através de seus discursos e coerções. Existia, agora, um motivo. Asas pra que eu pudesse voar, vôos altos e rasantes. Mas o fogo foi se apagando. A chama lentamente se cessando. Os sentidos esvaziaram-se. A vida se tornou uma sucessão de dias, a rotina uma norma. A busca por sentidos, deu lugar a uma busca por uma felicidade em certo ponto pueril, demasiado efêmera. Me tornei novamente fútil, medroso, desesperançoso, hedonista, niilista.
As leituras, porém, continuaram a ser um dos meus refúgios. E lendo uma coisa aqui, outra ali, me deparei com um trecho do livro “Assim Falava Zaratrusta” de Nietzsche que pra mim foi, acima de tudo, uma tapa na cara. Assim dizia:
“O nobre quer criar alguma coisa nobre e uma nova virtude. O homem de bem deseja o que é velho e conservar tudo o assim é.
O perigo do nobre, porém, não é tornar-se homem de bem, mas insolente, zombeteiro e destruidor.
Ah! Eu conheci nobres que perderam sua mais elevada esperança! Desde então, passaram a caluniar todas as elevadas esperanças.
Desde então tem vivido de maneira insolente e com breves alegrias, sem ver mais além que o fim de um dia para o outro.
“O espírito é também voluptuosidade” diziam. Então eles quebraram as asas do espírito. Agora rasteja de uma lado para o outro e macula tudo o que consome.
Em outros tempos pensavam em tornar-se heróis. Hoje, são apenas gente que se diverti. O herói é para eles aversão e desgosto.
Mas, em nome de meu amor e de minha esperança, exorto-te: não repudies o herói que há em tua alma! Venera como sagrada tua mais elevada esperança!”
Assim falava Zaratrusta.”

Esse discurso de Zaratrusta, personagem principal do livro citado, mexeu muito comigo. Foi como olhar no espelho da minha alma. Tal discurso me penetrou. Me cutucou. Me pôs a escrever novamente e tentar enxergar a vida como algo maior e “não o fim de um dia para outro”.
Assim espero que inicia-se uma nova etapa. Tentar sentir, viver, buscar as coisas mas intensamente. Descobrir-me. Não ser alguém metafisicamente entediado. Do tipo que enjoa de tudo. Creio ser este meu novo caminho. Que venha a vida e todas a suas curvas sinuosas!

3 comentários:

Exertos de Memória. disse...

Querido Doris, a literatura é uma arte que você faz muito bem, mesmo sem acreditar que se enveredou por esse lado eu acredito em você. ótimo texto tapa na cara pra mim tbm! bjos!

Dóris... em outras versões!!! disse...

muito obrigado, vinny!!!
:D

Franz::: disse...

q coisa mais linda, sincero e emocionante, parabéns, Doris!